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O rapto de Prosérpina

Posted by : Redação

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Plutão, o deus dos infernos, andava inquieto com a agitação que vinha abalando os fundamentos do monte Etna, na Sicília.
De fato, o vulcão que ali existia parecia mais irado do que nunca, cuspindo fumaça e faíscas para todos os lados. Sabedor de que o interior daquelas montanhas abrigava o gigante Tifão — que fora anteriormente derrotado por Júpiter e ali acorrentado -, Plutão decidira ir ver pessoalmente o que estava ocorrendo.
Tomando a carruagem da noite, o deus subterrâneo percorria a terra, no caminho do monte Etna, quando avistou um grupo de mulheres que colhiam flores no campo. Enquanto isto Vênus, a deusa do amor, observava tudo, tendo ao lado o filho Cupido.
— Veja, meu filho — disse Vênus, pegando o braço do jovem -, parece que o deus dos infernos decidiu dar uma voltinha à luz do dia.
 — O coitado deve estar cansado de toda aquela escuridão — disse Cupido. -Deve ser horrível, afinal, ser o rei de um mundo de mortos.
De repente, Vênus, dando-se conta de algo, encostou sua boca à orelha de Cupido:
— E se lhe arrumássemos algo que o distraísse de sua solidão?
Os olhos do jovem pareceram se iluminar. Cupido pegou rapidamente o seu arco, escolhendo a flecha mais aguda de sua aljava repleta de setas.
— Já entendi, mãe... — disse, caprichando na pontaria.
Uma flecha dourada cortou o ar, indo atingir em cheio o coração do deus infernal. No mesmo instante, Plutão ficou apaixonado pela mais bela das mulheres que tinha diante dos seus olhos.
Era Prosérpina, filha de Ceres, a deusa da fertilidade e da agricultura; a jovem podia ser considerada uma digna filha de sua mãe, com seus longos cabelos da cor do trigo. Tomado por um ímpeto verdadeiramente infernal, Plutão colheu as rédeas cor de ferro que seguravam seus negros cavalos e se lançou em direção ao grupo de moças que circundavam a encantadora presa.
Assustadas com a aproximação do carro negro, todas correram em diversas direções, deixando Prosérpina desprotegida. Plutão, aproveitando o descuido, suspendeu a moça com o braço, arrebatando-a aos céus em seu carro veloz.
 Foi em vão que a filha de Ceres clamou por socorro: Plutão, mantendo-a solidamente presa em seus braços, a conduzia para cada vez mais longe. Descendo, afinal, o seu carro, o deus das trevas preparava-se para golpear o solo com seu tridente e abrir caminho para retornar ao seu mundo subterrâneo, quando a ninfa Ciana, que estava ali por perto, ainda tentou detê-los:
— Espere, cruel divindade! Deixe-a em paz!
Plutão, sem lhe dar ouvidos, fendeu a terra com um golpe poderoso de seu tridente. Um abismo abriu-se aos pés de ambos.
Antes, porém, que o raptor e sua presa entrassem pela negra passagem, Plutão, temendo que a ninfa Ciana viesse a dar com a língua nos dentes, transformou-a em uma fonte. Os cavalos relincharam, felizes de regressarem à sua escura morada, enquanto Prosérpina perdia os sentidos ao ver-se prestes a adentrar aquela escuridão sem fim.
— Vamos, você será agora a rainha dos infernos! — disse Plutão, dando um beijo na face desmaiada de Prosérpina, antes de chicotear com furor os seus cavalos da cor da noite. Ceres, no mesmo dia, foi alertada pelas amigas de Prosérpina, que lhe contaram em detalhes o rapto e o seu autor.
— Plutão?! — exclamou Ceres, incrédula. — O que fará aquele maldito à minha filha?
Desesperada, a deusa saiu a pé, do jeito que estava, em busca de Prosérpina. Percorreu a terra durante o dia inteiro, sem encontrar nem sinal da filha.
Quando a noite chegou, acendeu uma tocha e prosseguiu em sua solitária e desesperada busca. Assim que Ceres avistou Selene, a deusa da Lua, deteve o seu passo.
— Por acaso você não viu, poderosa deusa, a minha filha sendo levada num grande carro conduzido por Plutão? — perguntou, esperançosa. Infelizmente, Selene nada vira.
Durante a noite inteira Ceres percorreu a terra, iluminada apenas pelas estrelas e pela Lua, que intensificou seus raios para ajudá-la a encontrar a filha. Quando o dia amanhecia, Ceres encontrou-se com a Aurora, que já vinha adiante, precedendo o radiante carro de Febo, o deus do Sol.
— Aurora querida, perdi minha filha! — disse Ceres, em prantos. — Você, por acaso, não a viu passar num carro puxado por negros cavalos?
Também Aurora nada vira. Estava disposta a ajudar na procura, mas o Sol a impelia para a frente, não dando tempo para que continuasse sua conversa. Durante vários dias e várias noites, Ceres continuou em seu périplo inútil, esquecida de seus deveres para com a natureza.
Logo a terra começou a se tornar estéril. As águas não desciam mais do céu para regar as plantações, e a fome começou a se espalhar por tudo. Um dia, completamente desanimada, Ceres sentou-se numa pedra, curvando a exausta cabeça sobre o peito.
Assim esteve um bom tempo, abatida, quando percebeu que a seu lado uma fonte cantante respingava suas águas sobre si. Passando os olhos sobre o espelho das águas, Ceres percebeu nele o desenho do rosto de Ciana, uma das ninfas mais íntimas de sua filha. Ainda que um pouco turvada pela fonte, a imagem a encarava com indizível pena.
— Ciana, o que houve com você? — disse a deusa, sem obter nenhuma resposta, pois, com a metamorfose, a ninfa havia perdido o dom da fala. Entretanto, por alguns sinais que a deusa logo compreendeu, a ninfa fez entender que sua amiga havia sido engolida pela terra, ali, naquele local. Ceres viu confirmada essa suspeita ao divisar flutuando sobre as águas da fonte o cinto de sua adorada filha. Apanhando-o, secou-o em seu seio, mas logo o encharcou novamente, com suas lágrimas. Sem meios de poder descer até as profundezas do reino de Plutão, Ceres decidiu subir aos elevados domínios de Júpiter, pai de Prosérpina.
— Deus dos deuses, preciso de sua ajuda! — exclamou Ceres, ao mesmo tempo aflita e determinada.
— Quero que obrigue Plutão a me devolver a minha filha.
— Plutão é senhor em seus domínios... — tergiversou Júpiter, dando a entender que não queria problemas com seu irmão das trevas.
— Ele que vá para o inferno! — bradou Ceres, completamente impotente.
— Ele já está lá, querida... — disse Júpiter, sem saber o que dizer. Ceres, no entanto, não estava para graças:
— Não tenho tempo nem ânimo para seus gracejos! — rugiu.
— Então vá lá para baixo, que é seu lugar, e coloque em ordem outra vez a terra, da qual você tem se descuidado há vários meses — disse Júpiter, tentando impor sua autoridade.
 — Ela vai continuar assim, sem brotar mais um pé de couve sequer, enquanto eu não tiver minha filha de volta — respondeu, categórica, a deusa da fertilidade e da agricultura.
O grande Júpiter, ao perceber que sua esposa Juno já se aproximava para ver o que estava acontecendo, resolveu contemporizar, pois sabia que duas mulheres iradas eram demais para ele ou qualquer outro deus:
-Está bem, façamos então assim: sua filha poderá retornar para a Terra, desde que não tenha comido nada nos infernos, pois assim determinaram as Parcas. A condição parecia meio absurda, mas Ceres não tinha alternativa e, por isto, resolveu ir pessoalmente ao reino de Plutão.
Esteve longo tempo nas margens do Aqueronte, aguardando a chegada da barca de Caronte, que a transportaria até o reino das sombras. Quando o velho barqueiro se aproximou, Ceres imediatamente embarcou.
 — Vamos com calma! — disse o velho, ameaçando-a com o remo.
— Cale-se e me leve logo até a outra margem! — ordenou Ceres. Uma vez desembarcada, foi barrada por Cérbero, o terrível cão de três cabeças que guarda os portões do inferno. Mas uma mãe que procura a filha não se deixa intimidar por qualquer coisa.
Com o facho que levava numa das mãos desceu uma bordoada sobre as três cabeças do cão ao mesmo tempo, que saiu ganindo inferno adentro. Sem dar ouvido a nada nem a ninguém, foi avançando pelas regiões escuras.
A deusa avançou tanto que em breve tinha diante de si o deus infernai instalado em seu trono, tendo ao lado sua filha. Esta, enxergando a mãe, lanço-se se em seus braços, num abraço longo e emocionado. Ceres, sem poder emitir qualquer palavra, apenas a enxergava com os olhai nublados. Depois de recomposta, quis saber como ela se sentia ali.
— Bem, não é tão mal assim... — disse a filha, relanceando disfarçadamente o olhar para seu marido, que observava de longe a cena, evitando, porém, se intrometer.
— Mas como pode ser feliz aqui, nesta escuridão? — É que aqui eu sou rainha, mãe, senhora absoluta de todos estes domínios
— Mas e este seu marido terrível? — disse Ceres, lançando um olhar feroz para o deus subterrâneo, que olhou para os lados, temeroso da vingança da sogra
— Bem, ele foi um tanto intempestivo na sua maneira de se declarar para mim, reconheço — disse Prosérpina, com ar condescendente. — Mas sempre I tratou com muita atenção e delicadeza, como uma legítima rainha — completou a moça, que parecia realmente feliz com seu novo estado.
Mas sua mãe não podia suportar a ideia de tê-la para sempre longe de s por isto lhe perguntou:
— Minha filha, você já comeu algo desde que chegou aqui?
— Por quê? Pareço muito magra? — perguntou Prosérpina.
— Apenas responda — disse Ceres, ansiosa.
Prosérpina pensou por algum tempo e depois declarou:
— Bem, comi apenas uma romã que colhi nos jardins de Plutão.
Ceres quase tombou desfalecida ao chão, de tanta tristeza diante dessa terrível revelação. Abandonando momentaneamente a filha, foi falar com o deus dos infernos, para tentar reverter a situação, mas Plutão mostrou-se resoluto, recusando-se a perder a esposa. Uma terrível discussão ameaçava se instalar entre a sogra e o genro, quando Prosérpina propôs uma solução que agradaria a todos:
— Façamos assim, mãe: a metade do ano passarei aqui em meus domínios e a outra metade em sua companhia, na Terra. Que tal acha disso? Ceres e Plutão chegaram, assim, a um acordo que parecia ser a única solução consensual.
Como já estivesse na época da floração, Prosérpina seguiu com sua mãe de volta à terra, para passar sua primeira temporada, disposta a regressar dentro de seis meses, conforme o combinado.
Ceres retomou seus cuidados com a Terra, e é assim que Prosérpina alterna a sua vida: durante os meses de calor passeia pela Terra, dando vida e fecundidade a tudo, e durante os meses de frio e escuridão recolhe-se para as profundezas da terra, deixando a natureza despida de seus benefícios.

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