— É tudo verdade, Juno: Latona está grávida do seu esposo, Júpiter! Íris, a mensageira e confidente de Juno, fora quem descobrira a novidade.
— Pois quero esta mulher bem longe de qualquer terra, compreendeu? -esbravejou Juno, enciumada.
— Bem longe de qualquer terra. "Bem longe de qualquer terra", pensou íris. "É um bocado longe." Latona, com o ventre dolorido, foi obrigada, assim, a percorrer o mundo todo — atravessando, exausta, lugares como o Quio, a Trácia, a Ática, a Eubéia, as ilhas do mar Egeu, sem jamais receber abrigo de quem quer que fosse, em lugar algum.
E como se isto não bastasse, atrás dela ainda ia Píton, uma terrível serpente encarregada de devorar os seus filhos. Sem dar um segundo de descanso, a pavorosa serpente empenhou-se na sua tarefa, sem nunca, entretanto, conseguir alcançar o seu objetivo maior. Assim, depois de muito vagar, Latona acabou por chegar à ilha de Ortígia, onde encontrou, finalmente, um abrigo. Ortígia era uma ilha flutuante, não estando fixa, portanto, em lugar algum, não fazendo parte da terra. Ali, durante nove dias e nove noites,
Latona gemeu sob o império da dor. Mas Ilícia, a deusa que preside os partos, soube dos sofrimentos atrozes pelos quais a pobre mãe passava e resolveu socorrê-la.
— O filho de Latona será o mais belo dos deuses, e para mim será uma honra excelsa presidir o seu nascimento — disse ela às amigas, antes de partir.
E assim foi. Depois de intenso sofrimento, Latona viu seus trabalhos duplamente recompensados: de seu ventre saíram não um, mas dois filhos — um belo menino, de nome Apólo, e uma graciosa menina, chamada Diana.
— Aí tens o dia e a noite, um em cada braço — disse Ilícia, ternamente.
Apólo, de pele alva e louros cabelos, de fato era a representação perfeita do sol e do dia, enquanto que Diana, de cabelos negros caídos sobre um colo faiscante, representava a lua envolta pela noite. Júpiter deu a seus filhos muitos presentes, mas o que mais lhes agradou foi um maravilhoso arco confeccionado por Vulcano.
Desde este dia Diana afeiçoou-se de tal modo ao seu exercício, que acabou se tornando a deusa da caça. Quanto a Apólo, tinha em mente, antes que tudo, vingar sua mãe.
— Diga-me, meu pai, onde está a terrível serpente que perseguiu tão cruelmente a minha mãe — disse ele, com os olhos postos no céu -, e irei matá-la com minhas próprias setas. Latona e seus filhos abandonaram a ilha — que passou a se chamar, desde então, Delos, ou seja, "ilha luminosa", em homenagem ao deus da luz e do sol -e, após vários percalços, chegaram enfim ao seu destino.
— Eis o monte Parnaso, meus filhos — disse Latona, abraçada aos dois. Mas aquele local magnífico, repleto de montanhas e abundante vegetação, escondia também um horror. Era ali que a serpente Píton, filha da Terra, vivia, instalada bem ao pé do monte Parnaso em um imundo covil.
— Chegou a hora, maldita serpente — disse Apólo, enganchando uma flecha em seu poderoso arco -, de acertarmos as nossas contas.
De dentro da caverna partiu um urro tremendo, que fez desmoronar muitas montanhas ao redor. Logo em seguida um bafo pestilencial, um misto de fogo e de sangue, foi expelido de dentro, incendiando tudo que estivesse à sua frente.
A serpente medonha escorregou para fora da cova como se fosse uma língua em chamas expelida pela goela escancarada da montanha. Apolo, após subir em cima de um rochedo, estendeu o mais que pôde a corda de seu arco e mirou no abismo de sua boca infernal. A fera, contudo, desviou-se da seta, dando um salto inesperado e rolando de lado sobre a relva, que ficou toda crestada.
— Apolo, meu filho, cuidado! — gritava sua mãe, abraçada a Diana, que queria se desvencilhar dos braços da mãe para ir ajudar o irmão.
— Não se meta nisto, minha irmã! — bradou o deus solar.
— Você é muito nova e frágil para enfrentá-la! Apólo nem se dava conta de que tinha a mesma idade da irmã, mas naquele momento foi a única coisa que lhe ocorreu para manter a salvo as duas mulheres.
A serpente agora estava completamente em pé — parecia impossível, mas estava completamente ereta, como uma gigantesca palmeira -, e seu ventre, originalmente claro, estava todo coberto do sangue seco e dos ossos esmagados de antigos e horrendos festins. Um silvo ensurdecedor passou sobre o rosto de Apólo, como um vento quente e mórbido que um vulcão houvesse expelido em seu rosto. Píton entesou o seu corpo e lançou um bote quase certeiro sobre a rocha onde o deus do sol se mantinha precariamente equilibrado. Um grande dente amarelado da serpente ficou cravado sobre a rocha, como se fosse uma gigantesca espada enterrada na pedra. Dela escorria um líquido pestilencial da cor do âmbar e que exalava um odor terrivelmente nefasto.
Apólo foi cair sobre a saliência de um penedo, ainda entontecido pelo bafo mefítico da sua cruel inimiga. A serpente Píton, após relancear a cabeça em várias direções, arregalou suas grandes pupilas horizontais: uma centena de línguas fendidas saíram ao mesmo tempo de sua boca e chicotearam o ar em todas as direções.
A temível Píton farejara novamente a sua presa. Mas antes que volvesse sua cabeça na fatídica direção, Apólo já estava em pé outra vez. Retesando ao mesmo tempo em seu arco três de suas mais afiadas setas, Apólo esticou a corda até que ela quase estalasse.
— Serpente maldita, aqui está o seu castigo! — disse o deus, despedindo as três setas, que partiram sibilando pelo ar. Já no caminho as poderosas setas foram duelando com as línguas serpenteantes da víbora, e uma chuva delas caiu do alto, decepadas pela velocidade das setas.
Em seguida, cada qual tomando seu caminho foi buscar um alvo diferente: a primeira foi alojar-se no olho esquerdo da víbora; a segunda penetrou em seu peito, ausente de escamas, enterrando-se em seu coração; e finalmente a terceira entrou-lhe pela boca adentro, tirando-lhe o hausto da vida.
Como uma palmeira que tomba, a serpente Píton caiu, provocando um grande estrondo, que fez tremer a Terra durante oito dias. Apólo vencera. Tomando então sua lira
— que Mercúrio lhe dera de presente -, ele entoou sua canção de vitória, abraçado à mãe e à irmã. Disse a elas, triunfante:
— Aqui enterrarei a terrível serpente, e sobre seu túmulo erguerei um sagrado templo, além de um oráculo, que será em breve o mais famoso de todos.
Era o oráculo de Delfos, local onde todo mortal iria sondar os irrevogáveis decretos das Parcas, as deusas que presidem ao destino.
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