Pomona era a deusa que presidia a floração dos frutos, e seu maior prazer era fazer a guarda e proteger as árvores frutíferas.
Seu bosque, no entanto, vivia fechado à entrada de seus incansáveis cortejadores — na sua maioria faunos e sátiros que, tomados pela mais ardente paixão, queriam por todo modo possuí-la. De fato, alimentada somente pelos mais tenros frutos, a deusa dos pomares tinha um corpo invejável e uma pele perfeita.
Julgando-se em segurança, andava só por entre os troncos das suas adoradas árvores, o que fazia excitar ainda mais o desejo dos seus pretendentes. Dentre todos, o mais apaixonado, sem dúvida alguma, era Vertuno, o deus cujas atribuições mais se assemelhavam às da bela deusa: Vertuno era o deus protetor dos frutos e dos legumes.
— Nós temos tudo em comum — dizia ele a si mesmo, sem conseguir compreender por que a deusa fugia dele.
Mas Pomona não queria, definitivamente, saber de amores. E como Vertuno parecia ter mais possibilidade de vencer a sua resistência, era justamente dele que ela fugia com mais ardor. Vertuno, porém, era mestre em disfarces e, por diversas vezes, apresentou-se diante da deusa, mas esta estava sempre ocupada em podar ou fazer algum enxerto nas árvores.
Certa vez apareceu como um ceifador, pôs no chão a foice e sentou-se aos pés de Pomona, que permaneceu, absorta, totalmente envolvida com sua tesoura a cortar os galhos e a retirar os fungos acumulados, sem lhe dar a mínima atenção.
— Suas árvores estão cada vez mais belas — disse-lhe o deus, sem arrancar dela nenhuma expressão. Com os braços erguidos, ela prosseguia em sua tarefa. Noutra ocasião, Vertuno apareceu como um pescador, num disfarce infeliz.
A deusa não queria nada com pescadores e detestava esta atividade, chegando mesmo a expulsá-lo de sua presença, com um ar enfastiado. Outra vez surgiu munido de uma escada, com um longo bigode de colhedor de maçãs. Aproximando-se da deusa, que tentava inutilmente alcançar um dos frutos para colocar na cesta, ele lhe disse:
— Deixe que eu as alcanço para você! Colocando a escada encostada ao tronco, Vertuno começou a escalar os degraus, quando sentiu a mão cálida da deusa tomar-lhe o pulso.
— Deixe que eu mesma o faço — disse ela, subindo degrau por degrau até alcançar os frutos mais distantes.
Depois de arrancar dos galhos as maçãs, ia jogando-as uma a uma a Vertuno, que, no chão, as ia recebendo. A maioria das frutas, porém, o acertava em cheio na cabeça, arrancandolhe breves gritos de dor.
— O que há com você, afinal? Não está enxergando direito? — reclamava a deusa, impaciente. — Veja, está estragando todos os meus frutos!
Se Vertuno, no entanto, tinha alguma coisa em bom estado naquele momento, era justamente a visão: cobiçava ardentemente as perfeitas formas de Pomona.
— Tome, leve de volta a sua escada — disse a deusa, ao perceber finalmente as intenções de Vertuno.
Quanto mais Vertuno persistia em seus estratagemas, mais a deusa permanecia irredutível, terminando sempre por expulsá-lo de seu bosque sagrado, com maior ou menor delicadeza. As coisas estavam nesse pé quando, um dia, uma velha encarquilhada apareceu diante de Pomona. Estava extremamente quente, e Pomona estava mais i vontade.
Um suor delicado como o orvalho brotava de sua pele clara; na poma dos pés, a deusa tentava alcançar um galho mais alto, deixando à mostra as axilas que uma minúscula penugem dourada protegia. O que nas mulheres comuns poderia parecer um desleixo, na encantadora deusa era, porém, um atributo a mais para a sua beleza. A velha — que outro não era senão o próprio Vertuno — aproximou-se lentamente, mancando em seu passo senil.
Quando chegou aos pés da deusa. sentou-se, enquanto a observava entregar-se à sua tarefa. Após algum tempo, Pomona finalmente, acordou para a presença da intrusa.
— Bom-dia, senhora — disse a deusa, estendendo a mão, de modo afável.
— Bom-dia, bela jovem! — respondeu a velha, dando um beijo na deusa, que recuou um pouco, de modo instintivo, diante daquele gesto inesperado e surpreendente.
Pomona estava podando uma vinha, e Vertuno aproveitou a ocasião para fazer uma comparação que em tudo servia aos seus objetivos:
— Está vendo como os galhos da vinha se enroscam no tronco?
— Certamente — respondeu a deusa.
— Por que não lhe segue o exemplo?
— Como assim?
— Bem, a vinha não cresce jamais se não puder enroscar-se a um tronco forte e viril. Estive observando você desde muito tempo e percebi que foge de todos os seres que buscam unir-se a você.
— Ora, são todos uns boçais! — exclamou Pomona, lançando para trás os cabelos e retomando sua tarefa.
— Talvez nem todos o sejam — disse Vertuno, acariciando as costas da deusa com sua mão enrugada, o que renovou o espanto da moça.
— Senhora, que modos são esses? — disse Pomona, com um sorriso, tentando mostrar de modo gentil e descontraído a sua insatisfação com aquelas pequenas e desconfortáveis intimidades.
— Existe alguém que está muito acima de todos os seus outros pretendentes — disse Vertuno, sob o disfarce da velha, ignorando a advertência da deusa.
-Você sabe quem é, e somente ele merece o seu amor.
— Já sei, já sei, a senhora refere-se ao importuno Vertuno — disse Pomona, com ar de enfado.
— Sim, é ele mesmo. Ninguém mais poderá lhe fazer feliz, pois ninguém a ama mais do que ele! — insistiu a velha, abraçando o corpo que tinha à sua frente, num transporte de desejo que encheu de assombro a deusa dos pomares.
— Agora chega! — esbravejou Pomona, afastando a velha descontrolada.
De repente, porém, ela deu-se conta do que se passava:
— Então é você, novamente!
A velha lançou fora o véu que cobria a sua cabeça e disse:
— Sim, sou eu, Pomona querida, e venho mais uma vez tentar obter o seu amor!
— Por que não experimenta aparecer sob a sua própria forma, ao menos uma vez?
Às vezes as coisas óbvias não ocorrem, mesmo aos deuses. Vertuno, sabendo que a deusa não tinha olhos para ninguém, procurara nas mais diversas formas convencer a sua amada, sem dar-se conta de que talvez conseguisse seu objetivo se aparecesse diante dela como realmente era.
Desfazendo-se de seu disfarce, Vertuno surgiu diante da moça, em sua forma esplendorosa. Pomona, acostumada ao assédio dos faunos e do horrível deus Pã, ficou deslumbrada com sua beleza.
Ele aproximou-se, então, da dócil Pamona e a cobriu de beijos, que foram generosamente retribuídos.
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